segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Poema...

Inúteis Palavras

Acho inúteis as palavras,
Já que não te podem dizer
O quanto em mim ficaram gravadas
As poucas horas tuas que pude ter.

Pelas ruas deixei o meu canto,
De esquina em esquina do caminho,
Para que a minha voz te leve em casa
E jamais outra vez eu te perca.

Sei que outrora me chegaste à porta,
Sorriste e perguntaste-me da paixão
E eu disse-te que dela não sabia nada,
Mas, meu bem, foi apenas o medo em meu coração.

Todas as cartas de amor do mundo
Um pouco falam desse amor que te tenho,
Porém nem todas elas juntas trazem o carinho,
Ou o torpor e a aguda dor amedrontada que carrego.

Criança! Ai! Criança sou eu perdida na estrada
Que já não sei de onde partiu ou onde chegará.
Tive medo de cegar nos teus olhos de alvorada,
Mas o que fiz foi plantar o mar de lágrimas que me afogará.

Choram violões, fanfarras e guitarras.
Murcham as carícias nunca concretizadas.
Meu bem, tudo isso existe e meu peito
Ah! ele insiste por te clamar, meu fado amado!

Édouard d'Henri-Araújo

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Poema...

À Lisboa


És tu, de tantos azulejos e beiras,
Nos telhados e pedras nas calçadas
Meu caminho, minha rota mais certa,
Minha certeza de estar em rota consagrada.

Minha terrinha do coração,
Pedaço de chão que levo na mão
E nos olhos do horizonte a visão
Da casa que habita minha lembrança de tudo então.

És tu, de tantas cores em varais e sacadas
Meu estandarte de brasões e armas bravias,
Seja no Rossio, no Commércio ou nas escadarias,
Meu peito te canta saudosas cantigas adoradas.

Senhora mais querida de saiote em camadas,
Nas cirandas de pé batido em meio às castanholas,
Vejo-te florida em cores de vida e amanhecer.
Ó casa minha, comigo vais pr'onde tiver que ser.

Édouard d'Henri-Araújo.

sábado, 7 de julho de 2012

Poema...

Canto ao Mar

Não vês este azul a avançar
Sobre as nuvens e todo o ar?
Enxergas quantos foram lá
E quantos nunca hão de voltar?

Fechas teus olhos e apela ao sentido
Que o vento sobre a pele te desperta.
Vais como um jovem passarinho agora
Voar às cegas na rosa do destino.

Sabes tu o fado do velho moinho cantar
Onde víamos o dia se espreguiçar?
Eis então o tempo de um fado ao mar
Que banha tão sozinho o céu e o que mais há.

Não faz muito sentido sentar e calar
Quando há tanta beleza para calmo olhar.
Vamos ficar e acariciar a visão do mar.
Se vais ficar entristecido, lanças ao mar teu chorar.

Vejas como ele é imenso e divino, e faz sonhar
Ao homem e ao menino que não sabem nele nadar.
Mas te ensina o caminho para barcos lançar.
Este, caro amigo, é o mar que vais ganhar.

Eduardo Henriques
Coisas tão Pequenas

Coisas tão pequenas que deixaste sobre a cama
São como teu corpo ainda quente em lençóis,
São como desejos ardentes em firmes anzóis.
Os anzóis com que costumavas pescar minha alma.

Dentro de mim ainda há o teu lugar.
E sinto que ao invés d'um grande vazio
Existe um oceano de saudade a jorrar
Sal e cicatrizes no meu olhar.

Pr'onde vais se não vens mais
Acender o lampião do sol que faz brilhar
Cada manhã dentro de meus olhos apraz
No deleite d'em mim escorrer teu amar?

Cantos e lembranças que agora me falam
De coisas tão pequenas que não importam mais.
Lugares que eram teus e hoje são imagem fugaz
Do meu amor qu'inda vive em lágrimas que jamais estancam.

Eduardo Henriques

Poema

Escudo à solidão 

Haja o que houver, por favor,
 Não deixes cair ao mar 
O beijo que em tua mão fiz guardar. 
Não me soltes, por favor. 

Caminhar, esperar e sentir 
Tuas mãos através dos ventos 
A tocar, a redescobrir 
Cada pedaço dos meus contornos. 

Estou à janela e, por favor, 
Não me deixes a esperar
 Por mais de um cheio luar 
Que me envolvas em calor. 

Haja o que houver, por favor, 
Não me afastes de dentro de ti. 
Aqueças, apertes junto a si 
E uses como escudo à solidão, meu amor. 

Ao céu, ao mar, ao sol e ao luar 
Declamei, e bem cantei, o que sei de ti. 
Desenhar ou versejar, de tudo eu fiz
 Para a Deus, suplicar pelos teus olhos reavistar.

 Haja o que houver, estarei aqui. 
Tenhas pressas em voltar, por favor.
 Tenhas sede de tocar outra vez o meu amor. 
Haja o que houver, espero por ti. 

Eduardo Henriques

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Poema...

Gota de Sangue

Do céu há uma gota que cai
Como dos olhos uma saudade derrama,
Como do peito flameja uma chama
Por meu nome que de tua boca não mais sai.

De minhas mãos escorrem tremores
D'ansiedade por te tocar a pele fresca.
Frescor que ninava meus amores
Nas noites em que me foste morada.

Da cama não saem mais as pétalas
Das rosas que me trazias tão rubras.
O quarto hoje é uma sala de lamúrias
Donde endeixas lançam meu coração às lagrimas.

Dizer, outra vez, tantos versos de perdão
Não há de ser remédio ao coração.
Esperarei que sangre até morrer de sede
O peito que teu nome reclama, e pede.

Eduardo Henriques

segunda-feira, 26 de março de 2012

Poema...


Fevereiro

Desejar-te faz-me esquecer de amar-me.
Pus-me na prateleira de livros já lidos.
Lá fiquei doravante esqueceste-me.
E te tenho, sem ter-te. Mas tenho.
E sufoco, sufocando com o mar em mim.
E afundo, emerso, mas afogado.
Sinto-me, agora, tolo por tolher-me
As coisas muitas que as primaveras cantaram
Em meus ouvidos cheios d’água.
Âncora do Titanic no mar gélido do norte.
Calei meu pulsar e meus versos
No cancerígeno versar de ti.
Mas abri as janelas.
Arranquei as cortinas.
Fevereiro chegou e hoje é verão.
Au revoir! Arrivederti! Good bye!
Com conta-gotas tirei-me todo o mar
Que chorei em meus pulmões.
Desafoguei meu coração.
Desenterrei-me das covas que m’ofertaste.
Correntes cortadas. Âncora perdida.
Hasteiem as velas.
Ao Mar!
Ao Mar!

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Poema...


Adeus, meu amor


Bonsoir, meu amor, bonsoir.
Agora apenas o silêncio há
Para nos interromper as palavras
Que jamais foram ditas...
Que nunca serão pronunciadas.

As mesmas cortinas, o mesmo quarto.
O mesmo calor de setembro,
Mas não mais você e eu...
Não mais aqueles que o tempo perdeu
Quando o sol conosco adormeceu.

E eu saí a ti procurar pelas esquinas e praças,
Pelas vírgulas e estrofes de minhas músicas,
Mas apenas vi-me tão comigo mesmo
Que suspeitei alguma vez ter-te tido
Mais além de que por um crepuscular devaneio.

Bonsoir, meu amor, bonsoir.
Dormes em meus braços a sonhar
Com cada gota do perfume que nos embalsamou,
Com cada beijo que minha boca nunca te negou,
Com uma eternidade para ti que em mim se acabou.

Poema...


Enfermidade de você

Tu me corres como veneno
Por minhas veias a queimar
Loucamente todo o meu corpo
E entontecer o meu pensar.

Acordo e vejo o dia violeta
A contrastar com violência
As noites alaranjadas
Que me veem com demência.

A água que bebo é amarga,
O pão que como é salgado.
Em mente tudo o que tenho
São imagens soltas como fumaça.

Meus Deus, estou doente.
Quero gritar que te sou doente
E que meu calvário só vai terminar
Quando a minha vida em ti se apagar.

Enquanto dormes, estou doente.
Se andas, se cais, estou doente.
E como viver se minha vida tu
Lançaste às tormentas de um mar azul?

Por mais que fujas, estou doente
E aqui terás por dó de regressar
Pois um coração sangra teu nome
E meu amor a ti grita que estou doente!

Poema...


Cicatriz

Estás presente em minhas mãos
Como que um castigo à minha memória
Trazendo-me lembranças com gosto de açúcar
Que azedam meu coração com nossa história
Cujo fim foi sem amor e sem razão.

És cicatrizes de dentes noturnos
A tatuar teu desejo em meu tato.
És queimaduras de cigarro
A marcar com fogo os meus espaços
Que foram a tua casa e o teu conforto.

Ainda sinto os teus dentes em mim
Como ainda sinto saudades de ti,
Mas jamais serei lar outra vez
Para o teu corpo que sobre mim fez
Pesar o meu silêncio para a tua voz.

Porquanto eu viver, ter-te-ei em mim
A encher-me com recordações-azedumes.
Como uma zebra tem as suas listras,
Ter-te-ei nas minhas cicatrizes
Sempre ardentes, sempre vivas.

Poema...


Sutura

Todos nós sabemos a hora de partir.
O momento nos sopra aos ouvidos
Que é tempo de enxugar os olhos,
Que não há mais porque insistir.

Algumas vezes ocorre-nos
A falsa impressão dos pulsos a sangrar,
Mas na realidade quem sangra está a pulsar
Os engasgos dos sonhos que não viveremos.

Quando te vejo assim tão arfante
Quero meus pulmões em teu peito,
Quero meu ar oxigenando o teu sangue.
São nesses momentos em que eu existo.

E toda vez que o teu corpo doer e chorar,
Que os teus pés perderem o chão,
Que a tua boca tremer e sangrar,
Eu estarei ao teu lado a suturar o teu coração.